Professora Maria Perpétua Teles Monteiro
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quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Arte e Técnica

Apresento um texto didático retirado de um livro que se encontra na biblioteca da maioria das escolas públicas(CHAUÍ, Marilena. Filosofia. Série Novo Ensino Médio. São Paulo. Ática, 2002. V.único, pág. 145, 146.. ) O olhar é da Filosofia. Penso que pode ser utilizado em sala de aula como fonte de informação, para discussão e aprofundamento de suas principais idéias. Vale apena uma conversa com a professora de Filosofia. A análise de uma obra de arte pode iniciar o estudo. A imagem vai ser útil na compreensão, relação e distinção entre arte e técnica.

Mona lisa ou La Gioconda - Leonardo Da Vinci

A palavra arte vem do Latim ars e corresponde ao termo grego techne, técnica, significando: o que é ordenado ou toda espécie de atividade humana submetida a regras. Em sentido lato significa habilidade, desteridade, agilidade. Em sentido estrito, instrumento, ofício, ciência.. Seu campo semântico se define por oposição ao acaso, ao espontâneo e ao natural..Por isso em seu sentido mais geral, arte é um conjunto de regras para dirigir uma atividade humana qualquer.
Nessa perspectiva falamos em arte médica, arte política, arte bélica, retórica,lógica poética. Platão a distinguia das ciências nem da filosofia, uma vez que estas, como a arte, são atividades humanas ordenadas e regradas. A distinção platônica era feita entre dois tipos de artes ou técnicas: as judicativas, isto é, dedicadas apenas ao conhecimento, e as dispositivas ou imperativas, voltadas para a direção de uma atividade com base no conhecimento de suas regras. Aristóteles, porém, estabeleceu duas distinções que perduraram por séculos na cultura ocidental. Numa delas distingue ciência-filosofia de arte ou técnica: a primeira refere-se ao necessário, isto é , ao que não pode ser diferente do que é, enquanto a segunda se refere ao contingente ou ao possível. Portanto, ao que pode ser diferente do que é. Outra distinção é feita no campo do próprio possível, pela diferença entre ação e fabricação, isto é , entre práxis e poiesis. A política e a ética são ciências da ação. A arte ou técnicas são atividades da fabricação.
Plotino completa a distinção, separando teoria e prática e distinguindo as técnicas ou artes cuja finalidade é auxiliar a natureza – como a medicina, a agricultura- daquelas cuja finalidade é fabricar um objeto com os materiais oferecidos pela natureza- o artesanato. Distingue também um outro conjunto de artes e técnicas que não se relacionam com a natureza, mas apenas com o próprio homem para torná-lo melhor ou pior: música e retórica, por exemplo.
A classificação das técnicas ou artes seguirá um padrão determinado pela sociedade antiga e, portanto, pela estrutura social fundada na escravidão, isto é, uma sociedade que despreza o trabalho manual. Uma obra, As núpcias de mercúrio e Filosofia , escrita pelo historiador romano Varrão, oferece a classificação que perdurará do século II d.C ao XV, dividindo as artes em liberais(ou dignas do homem livre) e servis ou mecânicas(próprias do trabalhador manual).
São artes liberais: gramática, retórica, lógica, aritmética, geometria, astronomia e música, compondo o currículo escolar do homem livre.São artes mecânicas todas as atividades técnicas: medicina, arquitetura, agricultura, pintura, escultura, olaria, tecelagem, etc. Essa classificação diferenciada será justificada por Santo Tomás de Aquino durante a Idade Média como diferença entre as artes que dirigem o trabalho da razão e as que dirigem o trabalho das mãos. Ora somente a alma é livre e o corpo é para ela prisão, de sorte que as artes liberais são superiores às artes mecânicas.
A partir da Renascença, porém, trava-se uma luta pela valorização das artes mecânicas, pois o humanismo renascentista dignifica o corpo humano e essa dignidade se traduz na batalha pela dignidade das artes mecânicas para convertê-las à condição de artes liberais. Além disso, à medida que o capitalismo se desenvolve, o trabalho passa a ser considerado fonte e causa das riquezas, sendo por isso valorizado. A valorização do trabalho acarreta a valorização das técnicas e artes mecânicas.
A primeira dignidade obtida pelas artes mecânicas foi sua elevação à condição de conhecimento, como as artes liberais. A segunda dignidade foi alcançada no final do século XVII e século XVIII, quando distinguiram-se as finalidades das várias artes mecânicas, isto é, as que têm como fim a o que é útil aos homens- a medicina, agricultura, culinária, artesanato- e as cujo fim é o belo – pintura, escultura, arquitetura, poesia, música, dança, teatro. Com a idéia de beleza surgem as sete artes ou belas artes.
A distinção entre artes da utilidade e artes da beleza acarretou uma separação entre (o útil) e arte (o belo), levando a imagem da arte como ação individual espontânea
Vinda da sensibilidade e da fantasia do artista como gênio criador.
Gênio criador e inspiração, do lado do artista (fala-se nele como animal incomparável) ,beleza , do outro lado da obra, e juízo de gosto, do lado do público, constituem os pilares sobre os quais se erguerá e estética.
Todavia, desde o final do século XIX e durante o século XX modificou-se a relação entre arte e técnica.Por um lado o estudo da técnica se modificou quando esta se tornou tecnologia, portanto, uma forma de conhecimento e não simples ação fabricadora de acordos com regras e receitas. Por outro lado as artes passaram a ser concebidas menos como criação genial misteriosa e mais como expressão criadora, isto é, como transfiguração do visível, do sonoro, do movimento, da linguagem, dos gestos em obras artísticas.
As artes tornaram-se trabalho da expressão e mostram que desde que surgiram pela primeira vez, foram inseparáveis da ciência e da técnica. Assim, por exemplo, a pintura e a arquitetura da Renascença são incompreensíveis sem a matemática e a teoria da harmonia e das proporções; a pintura impressionista incompreensível sem a física e a óptica, isto é, sem a teoria das cores.
A arte não perdeu sei vínculo com a idéia de beleza, mas a subordina a outro valor, a verdade. A obra de arte busca caminhos de acesso ao real e de expressão da verdade. Em outras palavras as artes não pretendem imitar a realidade, nem pretendem ser ilusões sobre a realidade mais exprimir por meios artísticos a própria realidade: o pintor deseja revelar o que é o mundo visível; o músico o que é o mundo sonoro; o dançarino o que é o mundo do movimento; o escritor o que é o mundo da linguagem; o escultor o que é o mundo da matéria e da forma. Para fazê-lo recorrem às técnicas e aos instrumentos técnicos (Aliás como sempre o fizeram apesar da imagem do gênio criador inspirador que tira de dentro dele a obra. A novidade está no fato de que agora, as artes não ocultam essas relações).
Três manifestações artísticas contemporâneas podem ilustrar o modo como arte e técnica se encontram e comunicam: a fotografia, o cinema e o design.
Fotografia e cinema surgem, inicialmente, como técnicas de reprodução da realidade. Pouco a pouco, porém, tornam-se interpretações da realidade e artes da expressão.
Em nossos dias, a distinção entre arte erudita e arte popular passa pela presença ou ausência da tecnologia de ponta nas artes. A arte popular é artesanal; a erudita, tecnológica.
No entanto, em nossa sociedade industrial, ainda é possível distinguir as obras de arte e os objetos técnicos produzidos a partir do design com a preocupação de serem belos. A diferença está em que a finalidade desse objeto é funcional, isto é, os materiais e as formas estão subordinados à função que devem preencher. Da obra de arte, porém, não se espera e nem se exige funcionalidade, havendo nela plena libertação para lidar com formas e materiais.