"Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do edifício cochilava, e eu furtei a flor.Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água. Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é para ser bebida. Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia, revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a contemplarmos bem.Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida. Não adiantava restituí-la ao jardim, nem apelar para o médico de flores. Eu a furtara, eu a via morrer.Já murcha, e com a cor particular da morte, peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro estava atento e repreendeu-me:- Que idéia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste jardim!"
Carlos Drummond de Andrade, Contos plausíveis (s/ data)
Disponível em:http://dias-com-arvores.blogspot.com/2005/05/furto-de-flor.html
Esse texto tem me ensinado fortes lições.
Não tenho dificuldade para pensar a flor.
Sem espanto por ela sou capaz de chorar.
Já tive em minhas mãos uma roubada.
Não a furtei. Furtaram-na de mim.
O bem, o maior bem.
Uma vez furtado.
Como devolver? O que devolver?
Melhor não furtar
A flor.
Como compreender
O furtar a flor?
Como aceitar o calar da beleza...
A falta...
dA VIDA...
dA flor?
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