René Magritte -Les Deux Mystéres, 1966
O QUE VOCÊ ESTÁ VENDO?
UM CACHIMBO...UM CACHIMBO NO AR...UM CACHIMBO NO AR?
O que a imagem de magritte lhe sugeriu? Seja qual for a idéia, com certeza essa impressão e as seguintes serão influenciadas por conhecimentos anteriores. O cachimbo só poderia ser compreendido por quem já havia visto um. Do mesmo modo só quem já sentiu o cheiro do fumo poderia atualizar esse odor e quase senti-lo. Nosso olhar debruçado sobre uma obra é fruto de uma história pessoal e única, vivida em determinada sociedade, época e cultura. A sua primeira impressão, fruto de suas referências pessoais e culturais, pode ter sido ampliada pelas referências dadas logo abaixo, por colegas, etc. É possível que você tenha visto com estranheza o cachimbo no ar. Por que estaria ali, voando? Como seres humanos procuramos critérios e princípios para compreender o que vemos. Foram os gregos que primeiro se preocuparam em compreender o princípio da representação, traduzido pelo naturalismo que a obra apresentava fruto da habilidade do artista. Esse princípio se fundamentava no conceito de mimese (do grego mimesis), que significa “imitação". Com o tempo a imitação foi ganhando um sentido que dominou o pensamento ocidental sobre as artes visuais: o seu caráter de réplica exata. Para o filósofo grego Platão, cabia aos homens apenas a produção de mimeses, simulacros, mera aparência, pois a criação perfeita seria possível apenas para o Demiurgo, o Deus que cria o universo. Para Aristóteles, discípulo de Platão, o conceito de mimese estava ligado à idéia de reprodução seletiva. É como se o artista, com sua techné, buscasse o mais característico de uma pessoa ou coisa, criando um realismo sublinhado. Porém, quando o leitor, mesmo uma criança, lê a cena, seleciona atribuindo significados. A arte, pois, não imita, recria. Ela cria algo novo porque não é cópia ou pura reprodução, mas a representação simbólica de objetos e idéias. Ainda hoje, resistimos à obra de arte que não reproduza o mundo visível. Talvez por isso você tenha estranhado o cachimbo voando. Um outro aspecto que pode ter chamado sua atenção: dentro da moldura está escrito em francês: Ceci n'est pas une pipe, ou seja, "Isto não é um cachimbo". Podemos pensar, então que é outra coisa? Um berrante? Uma tromba de elefante? Um sifão de pia? Um bico de chaleira? Sob essa lógica, quando entendemos a representação artística somente como uma cópia do mundo real e porque isto não é um cachimbo, vamos tentando adivinhar, atribuindo outros significados àquela forma, mesmo sendo de um cachimbo. Magritte nos provoca uma reflexão sobre essa lógica comumente usada, quando cria em seu quadro a ambigüidade entre a imagem e a palavra. Observando mais atentamente, vemos um quadro dentro de um quadro. Esses indícios vão dando pistas para que possamos encontrar os possíveis significados da obra. A leitura desses indícios podem nos levar a múltiplas interpretações. Magritte foi o pintor surrealista que mais aprofundou a questão da ambigüidade entre imagem e palavra. Entre 1928-29 e 1966 Magritte produziu a série de obras ISTO NÂO É... Chamada por ele “A traição das imagens". O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) escreveu um livro discutindo os enigmas do quadro: Isto não é um cachimbo, que apresenta semelhanças com os dois mistérios. Neste estudo Foucault constata que há dois cachimbos. Um deles se mostra aprisionado com sua legenda na superfície claramente delimitada de um quadro emoldurado. Considerando a obra como pintura, as letras são apenas as imagens das letras, eternizadas pela obra de arte. Considerando a figura como quadro-negro, ela é apenas a continuação didática de um discurso, a lição do mestre que apresenta a imagem e seu enunciado. A letra caprichada do calígrafo, do professor, entretanto, não confirma o que também estamos habituados a ver em muitos quadros-negros e em cartilhas e livros: "Isto não é um cachimbo. Na verdade "Isto é um desenho de um cachimbo". Há oposição entre a flutuação não localizada do cachimbo do alto e a situação definida no cachimbo de baixo. É a mesma ambigüidade que há entre a linguagem imagética e a linguagem escrita. Afirmação e negação, oposição e cumplicidade. Pensamentos tornados visíveis. Magritte parece querer discutir a representação na arte, e o fez pela metalinguagem. Ele atualiza a discussão sobre mimese, sobre o modo simbólico do pensar a arte.
ISTO NÃO É UM CACHIMBO foi o que Magritte escreveu abaixo da gravura. Sobre isto ele mesmo falou: "O famoso cachimbo... Como fui censurado por isso! E, entretanto... Vocês podem encher de fumo meu cachimbo? Não, não é mesmo”? Portanto, “se “eu tivesse escrito sob meu quadro:” Isto é um cachimbo”, eu teria mentido. (apud Foucault, 1988)
Bibliografia
MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias. Didática do Ensino de Arte: a língua do mundo - poetizar, fruir e conhecer.São Paulo: FTD, 1998.
FOUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Rio de janeiro. Paz e Terra, 1988.
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